O caso Krespinha reacende a discussão sobre o mercado racista da publicidade brasileira

A Bombril é uma marca com um portfólio expressivo de produtos de limpeza cuja liderança, quase monopolista, é em lãs de aço. É tipo o Google das lãs, até existem outros sites de busca, mas a menos que você digite por engano, não usará outro.

Acontece que, além de liderar seu segmento, a Bombril tem grande relevância para a publicidade brasileira. Em 1978, a renomada agência DPZ – que na época contava com Washington Olivetto em sua folha de funcionários – assumiu os anúncios da marca. De lá até 2004 Carlos Moreno foi seu garoto-propaganda.

A ideia de trazer para anúncios de produtos de limpeza uma figura masculina que fugia do estereótipo machista agradou o público feminino que, prioritariamente, destinava-se o produto. Moreno caiu tanto na graça do público que era impossível dissociar a marca de sua imagem, tanto que em sua despedida em 2004, o texto dito por ele dizia: Toda vez que você usar um produto Bombril você vai lembrar um pouquinho de mim – e era verdade.

Durante 30 anos de anúncios com o garoto-propaganda, foram encenadas várias situações. Moreno já foi personagem histórico, celebridade, político, jogadores de futebol e já falou até de signos. O fato é que no tempo de ouro da publicidade na TV (década de 80 e 90), o contexto social era outro e a tolerância a atos discriminatórios, infelizmente, maior.

De lá para cá, a regulamentação publicitária cresceu e foram proibidas as propagandas em TV aberta destinadas às crianças, a utilização de fauna e flora em anúncios de bebidas alcoólica e as propagandas de cigarro foram banidas. Em meio a tantas mudanças necessárias, não cabe um produto cujo nome revela o que de mais racista há em uma marca ainda existir no portfólio de uma marca.

A Krespinha é um produto do portfólio da Bombril que data de 1952 e que, embora atribua a letra K alterando sua grafia de adjetivo para substantivo próprio, não muda o fato de ser um nome infeliz e racista para um produto. De acordo com a marca, o produto não foi relançado ou reposicionado no mercado. Ele nunca saiu de seu portfólio e estava presente no mercado sem qualquer propaganda, o que talvez tenha o feito passar “despercebido”.

O fato é que alguns artigos acadêmicos das décadas seguintes, mas próximas, do lançamento do produto já apontavam o cunho racista de seu nome e também de seus reclames (para usar uma nomenclatura da época).

O que foi levantado por internautas na quarta-feira (17), traz à tona uma realidade do mercado publicitário brasileiro. Os mesmos profissionais que criam propagandas, geralmente são responsáveis por branding ou são formados em instituições similares. Esse mercado é constituído por uma esmagadora maioria de pessoas brancas. Segundo dados do Instituto Etnus, das agências de publicidade no Brasil, somente 0,7 negros ocupam cargos de liderança. Além disso, somente 35 em cada 1000 funcionários dessas agências são negros.

Não é de se estranhar que um mercado dominado por brancos construa campanhas e ações repletas de preconceitos, muitas vezes implícitos. A discussões sobre a importância de reestruturação no mercado publicitário brasileiro não acontece agora. Há anos profissionais escancaram a questão, mas a verdade é pouca mudança se vê no produto realizado por esses mesmos profissionais.

Em carta de esclarecimento, a Bombril informou que o produto seguia em seu portfólio desde seu lançamento na década de 1950 e que sua retirada do mercado seria feita. No entanto,  a carta diminuiu o racismo apenas à diversidade. Não pede desculpas aos negros, mas sim a toda a sociedade, não refaz seu discurso racista e não declara de que forma se compromete com a diversidade, apenas cita que esse é um valor da marca.

O caso da Krespinha não é o primeiro, mas é impressionante – por falta de palavra melhor – que neste exato momento em que discussões antirracistas estejam por todos lados, em que a tolerância ao preconceito já não é mais aceita como antes, uma marca líder de seu segmento precise de uma cobrança para retirar do seu portfólio um produto cujo o nome e slogan representem uma memória escravocrata que ainda está muito viva em uma população que se diz contra o racismo, mas que concorda com piadas “politicamente” incorretas.

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